Sebastião Café e Bar: Um espaço LSD – Leal Servo da Democracia

O espaço vem abrigando as manifestações da cultura alternativa de Goiana, remetendo ao passado dos eventos independentes, mas apontando para o futuro, com uma geração cada vez mais politizada e empenhada em movimentar o cenário

Sebastião Café & Bar / Foto: Elthon Taurino (MATA Goiana)

Por Guilherme Souza

Goiana é uma cidade onde os espaços culturais alternativos desaparecem na mesma velocidade em que surgem. Colecionam momentos, movimentos e depois partem para o campo da lembrança. São praças, coretos, galpões e quintais cheios de histórias para contar, histórias que permeiam a memória afetiva e carecem de registros para a posteridade. Se mantêm viva através da nostalgia, que embora seja importante para relembrar do passado, pode se tornar viciosa e fazer com que alguns indivíduos se prendam… ao passado. E criem aversão ao que é novo. Existe um pensamento sucateado que produz ideias equivocadas, como “em Goiana não tem nada que preste, “em Goiana não tem nada para fazer!” ou “não tem nenhum lugar para ir!”. Essas falas são sussurradas e ecoam pelas ruas de Goiana, uma cidade que é muito apegada ao passado em vários aspectos e a parte cultural não fica de fora. 

De fato, quando se trata do entretenimento da cultura de massa em Goiana, salvo as datas tradicionais, a cidade só oferece mais do mesmo: os mesmos bares, as mesmas atrações e as mesmas músicas; anos passam e tudo parece aborrecidamente igual. Claro, não há nada de errado em frequentar os queridos bares tradicionais da cidade, pois querendo ou não, são eles que animam as noites e quando o final de semana chega, o trabalhador só quer saber de desopilar – ainda que dá mesma forma de sempre – e é aí que mora a problemática: o proletariado já trabalha e fica cansado demais para sequer imaginar outro meio de entretenimento que não seja o padrão ao qual ele já está habituado, ou mesmo questionar a mesmice em que se encontra. E se essa mesmice é rentável para os bares da cidade, para quê inovar? Afinal, a alienação é um dos produtos mais vendidos do capitalismo. É a alienação que faz o trabalhador achar que está tudo dentro dos conformes e começar mais uma segunda almejando a sexta.

Público presente em show no Sebastião Café e Bar. / Foto: Acervo Mata Goiana

É nesse contexto que emerge o Sebastião Café e BarUm espaço LSD (Leal Servo da Democracia) – espaço com três andares, localizado na Rua Adelmar Tavares – para abrigar e servir de norte para o cenário cultural independente e alternativo de Goiana. Mas, para compreender melhor sobre esse espaço que vem abrindo portas e firmando relações com os fazedores de cultura da cidade, é preciso voltar ao passado, para as origens da sua criação e fomentação, bem como conhecer a mente por traz do conceito: Maria Cristina de França Rocha. Cristina nasceu no dia 21 de abril de 1966 em Goiana. Quando criança, frequentava a missa da Igreja Matriz e já carregou muito balaio de feira na cabeça. Sua família tinha um bar localizado no Mercado Cibrazem (localizado na Rua da Misericórdia), onde o seu pai fazia refrescos. Na adolescência, foi estudar em Recife junto com a sua irmã e por lá mesmo ficou. Cursou jornalismo e exerceu a profissão, fez assessoria de comunicação e foi sócia de empresas. Morou e se casou fora do Brasil, na Jordânia (país do Oriente Médio) e hoje tem dois filhos. Há cerca de dez anos, ela botou na cabeça que queria voltar para Goiana e é a partir desse ponto que a história do Sebastião começa a ser desenrolada. O nome do local, Sebastião, é uma homenagem ao pai de Cristina, bem como a sua foto que serve de identidade visual nas redes sociais. 

Cristina França, goianense, pessoa política, jornalista, mente pensante / Foto: Cristina França
O tal Sebastião / Imagem: Cristina França

Ela contou como se deu a criação do conceito e como ele tem um caráter expansivo:

“O Sebastião Café e Bar surgiu dessa minha ideia de que eu queria, eu quero e vou fazer algo coletivo, com a cidade. É antes de tudo um espaço ‘LSD – Leal Servo da Democracia’ acima de qualquer coisa, um espaço plural, de acolhimento de toda boa ideia e vibração, tudo aquilo que for útil politicamente, porque política é essencialmente tudo. Eu acredito que lá temos condição de fazer muita coisa, poesia, teatro, música, protestos… O Sebastião também é um espaço de leitura. Teremos uma biblioteca essencialmente feminista e outros livros, para que as pessoas possam sentar-se e ler no local sempre que tenham um tempo, tomando um café, uma cerveja, uma água, um suco… Tenho muitas ideias na cabeça e já conheço vários grupos culturais. Já tive o prazer de perceber que apesar de toda essa decadência física da cidade, existe um coração, uma alma que me encanta. Para dizer a verdade, eu estou conhecendo. Eu ainda preciso fazer um tour pela cidade. Não conheço as usinas, por exemplo. Acho que a gente precisa do Sebastião para fazer isso, unir a cidade, os territórios, os vários nichos que a cidade tem, como o campo, a praia, o centro… e o Sebastião vai ser um espaço de debate também, e essa talvez seja a grande síntese: ser um espaço de debate.”

Primeiro andar do Sebastião Café e Bar. As conversas fluem e se misturam.
 Foto: Acervo Mata Goiana


Como é possível perceber, as ideias estão flutuando na cabeça de Cristina e o Sebastião é o local adequando para se trabalhar esses conceitos diversificados. Para fazê-los funcionar, é preciso de agentes culturais que realizem manifestações plurais da arte. A partir do momento em que se desenvolva uma sólida rede cultural, ela terá que ser passível de manutenção para seu pleno funcionamento de forma autônoma e democrática. Claro, essa não é uma fórmula pronta, mas é uma perspectiva que deseja a ampla fomentação do debate, para a construção e aplicação das ideias na prática. Os produtores culturais de Goiana bem sabem que a organização e a coletividade são fatores cruciais para que seus projetos possam ser devidamente valorizados. É daí que surgem os coletivos e movimentos para sintetizar os anseios e demandas culturais da cidade, pois sozinho é difícil ir longe. Os caminhos, sejam eles literais ou figurados, são cheios de obstáculos e se tornam mais fáceis de serem trilhados de forma coletiva, com apoio mútuo. E se até os caminhos são construções políticas, as escolhas de como percorrê-los também são, e é aqui que entra a questão da mobilidade e suas problemáticas, literalmente: da falta de meios de transportes e formas seguras de se locomover para presenciar e vivenciar a multiculturalidade.

Banda Canaviral em ação. / Foto: Acervo Mata Goiana

Cristina expõe sua visão sobre o tema:

“Temos uma cidade multicultural sim, mas precisamos de uma cidade móvel. Na minha modéstia opinião, é o grande problema da cidade. A cidade morre às quatro horas da tarde para os territórios, para as praias, para o campo e às seis horas da noite para o que está do outro lado da pista. Quem não tem carro, moto ou bicicleta não se locomove e quem anda, tem medo, porque a cidade não é segura. Goiana tem um enorme potencial, mas é preciso discutir a mobilidade da cidade e a multiculturalidade está no centro dessa história, é sobre poder usufruir do que a cidade produz, pois se não tem para quem mostrar, como é que você vai mostrar alguma coisa?”

Você pode compreender melhor esse questionamento relevante de Cristina em seu próprio texto publicado aqui no site no Mata Goiana, “Mobilidade Cultural é Coisa de Mulher”:

Momento pós show da banda Time Division. / Foto: Acervo Mata Goiana

Essa mobilidade a qual Cristina questiona, está diretamente relacionada com a necessidade de se ter um ponto de referência cultural para frequentar, e quanto mais pontos (descentralizados), melhor, cada qual com o seu objetivo, mas sempre apontando para o mesmo fim: a solidificação de um sistema de cultura plural e democrático, que não dependa das burocracias de uma gestão municipal para acontecerem. O Ateliê Valcira Santiago é um exemplo longevo de espaço funcional onde a cultura independente de Goiana pode se manifestar e expor seus trabalhos artísticos, sendo um ambiente alternativo que propõe entretenimento para além do mais do mesmo – é como uma vitrine para que o goianense conheça seus artistas, músicos, poetas e artesãos. E o Sebastião Café e Bar vem para somar, se tornar um aliado. Mas como conquistar a liberdade e o direito a consumir, produzir e se ter um local para exercer cultura sem os ditames de uma Indústria Cultural que objetiva apenas o lucro? 

Sebastião Café e Bar é onde as tribos urbanas e as subculturas se encontram em Goiana.
Foto: Acervo Mata Goiana

Entenda Indústria Cultural:

“O termo Indústria Cultural foi cunhado pelos filósofos e sociólogos alemães Theodor Adorno e Max Horkheimer, no livro Dialética do Esclarecimento. Refere-se a um sistema político e econômico que tem por finalidade produzir bens de cultura – filmes, música popular, programas de rádio e televisão, revistas etc. – como mercadorias e estratégias usadas para manipulação da sociedade de massa, sob o contexto da segunda fase da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt. Para os autores, a indústria cultural é capaz de cultivar necessidades e desejos ilusórios que apenas podem ser cumpridos através de produtos do capitalismo, ameaçando assim, a produção de arte de perspectiva técnica e intelectual e fazendo com que passem a serem “mercadorias” que incentivam a reificação e alienação também da arte. (…).” (REZENDE, 2020, p.2)

Fazendo um paralelo com a gestão municipal e o seu setor cultural que sofre a influencia dessa Indústria, Cristina releva sua impressão:

“A impressão que eu tenho da gestão do município, é que ela não conhece a multiculturalidade. Conhecer não significa ir no local e olhar, porque existe a diferença entre olhar e ver. Olhar, todo mundo olha, mas ver, é outra coisa. Então, um sistema municipal de cultura é algo fundamental, sem isso, não saímos do lugar, a cobrança precisa ser diária, precisamos lutar por ela. Existem leis que são paliativas, confete e serpentina, mas cultura vai além dela mesma, é desenvolvimento economia, saúde mental… nós somos o público e os alimentadores da cultura, então é necessário que haja um incentivo vindo dos recursos municipais. Nesse sentido, o Sebastião vem para ser um espaço de debate para a construção coletiva dessa nossa realidade. E sem mobilidade, não há público, nem prato de comida nem de cultura. Sem isso, não saímos do lugar. Política é o corpo, cultura é a alma.”

Terceiro andar do Sebastião Café e Bar. Abrigo da descontração / Foto: Lampejo Fotografia

Para dançar sem medo / Foto: Lampejo Fotografia

Em outro texto de sua autoria, escrito para o Mata Goiana em 22 de janeiro de 2021, Cristina deixa bem claro:

“Cultura não pode ser o plano B. Ela é aquilo que o marketing chama de diferencial do produto. O produto Goiana precisa se enxergar de dentro para fora (o turismo tende a olhar de fora para dentro e a enxergar estereótipos). Apoiar os fazedores de cultura sem colocá-los a reboque do calendário numa exaltação datada é o que temos que fazer. Não é coisa difícil. É só um bocado de coisa junta, sendo vista como uma escolha política e diária. Cada um sabe o que faz, só precisa de amparo. E atenção a esta palavra. Amparo, não esmola. Amparo, não enfeite.”

Confira na íntegra seu texto “Cultura é o reboque” no link abaixo:

Grupo R.V.A (Rapaziada Voz Ativa) em evento da cena Hip-Hop de Goiana / Foto: Martha Mary
Mulheres na frente / Foto: Martha Mary

Sendo assim, o Sebastião Café e Bar vem abrigando as manifestações da cultura alternativa de Goiana, e mesmo que remeta a nostalgia dos eventos independentes, aponta para o futuro, com uma geração cada vez mais politizada, organizada e empenhada em movimentar o cenário goianense. O Sebastião tem tudo para se tornar um espaço que eleva o entretenimento para uma experiência ativa e consciente do fazer cultural – evitando o padrão em que o indivíduo é usado apenas como uma peça descartável da Indústria Cultural e o público é alienado por um lazer imposto – fomentando um ambiente que proporciona debates multiculturais em prol da coletividade e da democracia popular goianense.

A Cena Hip-Hop em Goiana vem conquistando cada vez mais relevância cultural / Foto: Martha Mary

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https://www.instagram.com/sebastiaocafeebar/

Leia os outros textos escritos por Cristina França especialmente para o site do Movimento Mata Goiana, por ordem de postagem:

Links úteis:

https://www.instagram.com/marymarth1098/

https://www.instagram.com/lampejofotografia/

Referência: REZENDE, Natália, Aparecida de; A INDÚSTRIA CULTURAL NA SOCIEDADE CAPITALISTA: COISIFICAÇÃO E ALIENAÇÃO DA MASSA. São Paulo, Brasil, 2020. 6 p. Discente da Pós-Graduação em Educomunicação (Universidade Anhembi Morumbi). Documento eletrônico. Disponível em < https://www.unaerp.br/revista-cientifica-integrada/edicoes-anteriores/volume-4-edicao-4/3706-rci-industriacultural-062020/file > Acesso em 13 de mar. de 2023.

  1. Obrigada pela matéria. Vamos fazer acontecer sem data para acabar.

    Comentário por Cristina França em março 16, 2023 as 8:28 pm