Opinião: Uma estratégia cultural

Quanto mais inércia pública, mais a mente avança, se prepara, se sedimenta. E, sobretudo, se alegra na certeza de que o território é incrivelmente produtivo. A dor é ser pouco estratégico.

Por Cristina França

Lei Aldir Blanc e incentivos estaduais aos trancos e barrancos trouxeram telas fantásticas (vi tudo de casa na tela do computador, do celular, da televisão) para o radar dos meus olhos, dos meus ouvidos, do meu cérebro expressões das quais nunca tinha ouvido falar. Arte de Goiana, de Aliança, de Tracunhaém, de Nazaré da Mata, de Carpina. E enquanto via e ouvia, pensava: o poder público que financia também vê e escuta estas apresentações maravilhosas? A resposta tende para o não.

Estou acompanhando um curso com Rômulo Avelar (gratuito por recursos da LAB e governo do Mato Grosso), expert em produção cultural, autor do ‘O Avesso da Cena’, próxima leitura. Na aula do sábado, 10.04, ele reverberou esta minha pergunta com outra: ‘quem atua na área cultural atua junto aos políticos locais?’ Precisamos fazer isto. A inércia pública a qual me refiro precisa ser sacudida para muito além do recurso financeiro. E por qual motivo? Arrisco uma resposta: fã é outro papo, político fã é outra porta aberta.

Não. Não estou falando de associação de imagens, de negociatas obscuras que desembocam em contrapartidas difíceis de engolir. Falo de chamar quem pode contribuir na defesa da cultura para a claque, de agir como quem oferece manjar e tem a mais absoluta certeza de que  é dos deuses. Sabemos o quanto é difícil formatar e formalizar uma equipe que busque recursos também em editais privados e em tantas outras fontes, então, o foco é o recurso público. Uma estratégia de divulgação e relacionamento político precisa ser posta em prática urgentemente em todas as cidades citadas acima e nas quais não citei. No mínimo, na Zona da Mata pernambucana inteira.

Já falei aqui da cultura como palha de aço (omito a marca) capaz de ser protagonista em soluções sociais que vão da luta contra o racismo à violência doméstica.  Para isto deve entrar triunfante nas escolas, inclusive porque a secretaria de Educação tem mais verbas que a da Cultura. Parece que estou juntando alhos com bugalhos? Estou mesmo. Relacionamento sadio e transparente entre cultura e política é para garantir o hoje e o amanhã. Qual o melhor lugar para garantir a claque do amanhã e depender muito menos de recursos públicos, recursos que aliás virão pela própria pressão da claque eleitora?  A escola, óbvio.

As apresentações que acompanhei sempre pediram curtidas e compartilhamentos nas redes sociais. Artistas buscando dar visibilidade ao próprio trabalho. Também ouvi em entrevistas que nas respectivas cidades é difícil encontrar quem pague para ver e ouvir o que apresentam. Não dá para sobreviver com este público inexistente. Então, vamos entocar os melindres e partir pra cima. O lugar comum ‘a pandemia pode trazer novas possibilidades’ tem sua razão de ser. Paramos em frente das telas e pensamos em como rearrumar o que acontece além delas. Política cultural é político cultural.

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