Prisma Orbe: Quase 20 anos de resistência para além de Goiana

No dia 06 de julho de 2020, a banda completou 17 anos de existência como a mais antiga em atividade do cenário alternativo da cidade.

Por Guilherme Souza

Goiana, meados de 2002. Praça dos Artesões. Nessa época, ainda existiam algumas estátuas na praça. Ou pelo menos metade delas. Era um domingo à tarde regado a vinho Carreteiro e estavam juntos: Phillipe Wollney, Tiago Santana e Luziano Jardim, vulgo “mago” – apelido sem nenhuma relação com o misticismo – é apenas o termo vulgar para “magro”. Neste fatídico dia, os três rapazes foram assaltados por um meliante que portava apenas uma faquinha enferrujada. Os pertences subtraídos foram: dois violões e um par de chinelas velhas, uma delas com um prego para prender a correia. Esse relato transcrito a partir das palavras de Wollney, resume a criação bruta de uma das bandas goianenses mais importantes dos anos 2000 e ainda em atividade, com um adendo do próprio: “no auge da nossa impotência, a gente tinha que fazer alguma coisa, né? E aí foi que surgiu a ideia, vamos montar um grupo de gente frouxa para cantar as nossas frustrações, cantar nossas derrotas.”

Inicialmente, a banda se chamaria Mecanismo Indiferente, nome logo trocado para Prisma Orbe, que basicamente significa vários modos de ver o mundo, o mundo se colorindo através do que se passa por esse prisma. Formada por jovens interessados nas concepções artísticas, tendo a poesia como principal fonte inspiradora das músicas, a banda sempre demonstrou um cuidado pelas suas composições, que são carregadas de metáforas e imagens líricas. O foco da banda em seus primeiros anos era musicar as letras do Mago, que funcionava como um eixo por onde o instrumental orbitava, e devido a algumas influências musicais tão dispares dos membros, a banda poderia soar diferente de uma canção para outra, considerando também as trocas de formação, porém, sempre mantendo a essência e a preocupação com a palavra.

“A Prisma para mim sempre foi um grande laboratório. A Prisma ensinou a gente a tocar. Foi a Prisma que me ensinou, por exemplo, a pensar melodia, a compor, a pensar em arranjo… para mim, quando eu penso em determinada melodia, aquilo é muito embrionário, então precisa realmente de outras pessoas para que se complete”, afirma Tiago Santana, guitarrista da banda, que apesar de nunca ter estudado música em uma instituição, é muito considerado no cenário musical alternativo da cidade e região.

Em quase duas décadas de existência, a Prisma Orbe deu diversas pausas na carreira, muito em decorrência das dificuldades financeiras que envolvem uma banda alternativa numa cidade do interior, juntando a falta de reconhecimento pelo trabalho e um público reduzido, mesmo que sempre presente nas apresentações até em outras cidades da Zona da Mata. “Eu acho que eu ando modulando os fracassos de sucesso que temos.”, relata o Mago, vocalista da banda, que logo tem sua reflexão revista por Wollney, poeta e também na função de guitarrista: “Ou os sucessos de fracasso…”. A realidade é que, se tratando da Prisma Orbe, ambos os pontos de vista fazem sentido.

O primeiro registro de gravação da banda é de 2006, um EP caseiro gravado em fita K7, que não é considerado material oficial. É em 2007 que o primeiro EP oficial da banda “Diante dos Olhos” é lançado, gravado em Carpina – PE e trazendo oito faixas autorais. Se passariam então dez anos para que registrassem outra gravação, o EP homônimo “Prisma Orbe”, contando com quatro faixas e lançado diretamente na Internet. Apesar dessa falta substancial de registros fonográficos, a banda foi ganhando experiência participando de vários eventos importantes na Zona da Mata, como o Tipóia Festival e o Festival Pernambuco Nação Cultural, ambos de Tracunhaém, foi uma das bandas representantes da cidade na Mostra Goiana em João Pessoa, além de ter se apresentado com a também goianense Saboeira, banda filarmônica, centenária e histórica, considerada a segunda mais antiga de Pernambuco, ficando atrás apenas da banda filarmônica Curica, que também é goianense, dentre vários outros eventos.

“Eu acho que a banda também não acabou mais por causa da amizade”, afirma o Mago, enquanto Anselmo Souza, trompetista, ressalta: “Se você ensaia numa segunda-feira, depois de sair de uma rotina de trabalho e começa o ensaio de onze horas da noite… só resta fazer isso pela amizade, pela diversão, pelas piadas…”. Izaías Neto, baixista, que junto com Samira Oliveira, a baterista, são os novos integrantes da banda, atenta que o problema da falta de reconhecimento não seja propriamente Goiana em si: “É da cabeça das pessoas, da forma como tratar o próprio trabalho do artista… a gente resistir, fazendo o que a gente ama, o que a gente acredita, é uma forma de mostrar para as pessoas que ainda tem gente trabalhando pelas coisas que importam, sabe? Eu e Sam, que somos os mais recentes na banda, percebemos que o que segura bastante é esse engajamento que temos de manter o trabalho vivo, de manter as discussões que a gente levanta… apesar da banda ser bastante antiga, não vemos mais renovação a nível de cenário”. Samira complementa: “eu sempre estava acostumada a ver coisas acontecendo no coreto (da Praça 13 de Maio) e sempre chegando alguém ali depois pra fazer alguma coisa e hoje em dia não vejo mais isso. O único movimento que ainda vejo fazendo coisas no coreto ou na cidade é o movimento de Hip-Hop e Rap, que inclusive é um movimento muito interessante e tem gente de Goiana fazendo cada som muito legal, que tá fazendo coisa em casa, com pouco, mas tá fazendo. Porém, tirando esse movimento, a gente não vê mais uma repetição de geração nesse cenário mais alternativo.”

Com alguns silêncios pela carreira, a Prisma Orbe nunca decretou o fim de suas atividades. Sobreviveu ao início dos anos 2000, quando Goiana viu uma efervescência de bandas de Rock no cenário, como Possessed, Zefadeão e Vírus, chegou nos anos 2010 e viu outras bandas cultuadas no cenário como One Black Two White, Blue Tomato e Vênus em Fúria fazerem história, marcarem presença e chegarem ao fim. Mesmo que o Rock hoje em dia não esteja em evidência na cidade, isso de forma alguma impede a Prisma Orbe de se projetar num futuro próximo, com a pretensão de lançar dois álbuns de inéditas e um documentário que faça jus à trajetória da banda. A Prisma continua amadurecendo sua visão contemporânea das vivências na Zona da Mata, misturando Blues e Samba no seu som, cantando problematizações urbanas, respeitando sua matriz negra de influência cultural e fugindo de rótulos e estereótipos que possam atrapalhar sua frequência artística de se refletir constantemente.

* Siga as redes sociais da PRISMA ORBE:
Instagram: https://www.instagram.com/orbe.prisma/
Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCvkjy5BhLPGoj7lxpuIHLUw
Facebook: https://www.facebook.com/PrismaOrbe/

Nenhum comentário