Os barbudos que se virem: troça alternativa e artística de Goiana

Como a anarquia pode reanimar o carnaval tradicional

Imagem: Acervo Os barbudos que se virem

Por Guilherme Souza

Goiana tem um dos carnavais mais tradicionais de Pernambuco que se tem conhecimento. O ciclo carnavalesco aqui é histórico e espetacular, contando com agremiações de caboclinhos, maracatus, bois, burrinhas, ursos, as Pretinhas do Congo, diversos blocos, dentre eles as Viúvas Virgens como um dos mais conhecidos e os bailes animados pelas Orquestras de Frevo. Aqui, o espírito folião toma conta das ruas e é reconhecido pelo valor cultural que merece, se não pela gestão municipal, mas pelos fazedores de cultura e brincantes que anseiam a chegada dessa época festiva. É um sentimento de alegria e liberdade que nos acompanha desde os primeiros anos de vida e é cultivado ao decorrer dela, pois vamos entendendo que não se trata apenas de pura diversão, mas de uma manifestação política e artística genuína do povo, da classe trabalhadora. E é justamente isso o que a troça Os barbudos que se virem representa.

Cartaz da primeira edição realizada em 2017

Mas, antes de falarmos sobre essa manifestação carnavalesca de Goiana, que tal conhecermos melhor dois conceitos importantes sobre ela? O primeiro é “troça”. Muito se fala sobre blocos e bloquinhos, mas “troça” ainda pode causar estranheza aos menos familiarizados com o termo. As troças carnavalescas são basicamente pequenas agremiações que se parecem com os clubes de Frevo, mas são menores e mais simples. São muito comuns nos carnavais do nordeste brasileiro e tocam prioritariamente Frevo e marchinhas clássicas. Saem pela manhã ou pela tarde, tendo o improviso, a descontração e a irreverência com marcas. A palavra “troça” vem do verbo “troçar”, que significa “ridicularizar”, “escarnecer”, “zombar de algo ou alguém”. O surgimento de uma troça está quase sempre ligado a uma história pitoresca, uma brincadeira nascida de uma reunião de amigos, às vezes com viés crítico ou político. O outro conceito é sobre o termo “anárquico”. A palavra anarquia é comumente usada de forma pejorativa para designar algazarra, bagunça e falta de ordem, mas não se trata disso. Resumidamente, a anarquia é uma teoria política que rejeita a existência de um governo. Trata-se de uma ideologia que não é a favor de nenhum tipo de hierarquia ou dominação imposta. Ao contrário do que muitos pensam, no contexto político anarquia nada tem a ver com desordem e confusão. O conceito de anarquia defende que a sociedade tenha sim uma organização social, porem, considera que ela não deva ser imposta e sim acordada entre os cidadãos. Não deve haver, por exemplo, uma divisão de classes sociais e nem o domínio de um grupo sobre outro. A ideia central da anarquia é a de que sem a opressão do autoritarismo, a sociedade passaria a ser mais fraterna e igualitária, como resultado do esforço de cada cidadão.

Conceitos esclarecidos, vamos então conhecer sobre a troça anárquica Os barbudos que se virem. Antes de ser uma troça de fato, Os barbudos que se virem era o nome do estúdio de criação e soluções de Design Gráfico de Raphael Urbano, que é artista e criador da troça. Desde o começo, o mote sempre foi trabalhar com a criatividade e evitar a mesmice, como Urbano conta:

“ A proposta é trabalhar toda essa referência cultural alternativa que temos. Muitos artistas goianenses, gente do audiovisual e gente alternativa comparecem. É a busca de uma nova linguagem. Não é sobre o formato dos blocos de famílias tradicionais, é sobre aquela questão do Carnaval onde as amizades se juntam para se divertir e compartilhar essa experiência com uma orquestra de Frevo, mas também com discotecagem e outras atrações. A primeira edição que eu realizei, em 2017, foi na Saboeira e contou com Open Bar na concentração, concurso de fantasia, da dança mais engraçada, essas coisas que proporcionam aquela alegria genuína do Carnaval, a irreverência, todo aquele chamego e profanação das coisas… Então, a ideia dos Barbudos vem dessa questão da criatividade, do improviso das fantasias… É um troça muito inspirada no bloco ‘Como Assim?’ (também de Goiana, existe desde 2006). Foi onde eu comecei a brincar o Carnaval e me encantei pela possibilidade das fantasias, porque quando eu era criança, lembro que Goiana tinha muitos blocos inspirados no Carnaval da Bahia, com abadás e trio elétrico. Já o ‘Como Assim?’ começou com poucas pessoas, mas com Orquestra de Frevo, e aquilo me contagiou tanto que até hoje gosto de prestigiar. Eu acho que Goiana precisa de outros blocos de resistência artística que comecem a vibrar mais na cidade. Não podemos continuar pensando que Olinda e Recife tem o melhor Carnaval, também podemos conseguir realizar isso aqui. Para isso, é preciso que existam outros blocos e troças, com temas variados para conseguirmos criar uma força cultural do Carnaval de rua. A intenção dos Barbudos é de se fazer consumir mais a cultura popular de Goiana e menos comercial.

A fala de Urbano exemplifica muito bem a diferença de um Carnaval que é produto de uma cultura de massa, de um que é fruto da cultura popular – onde a troça dos Barbudos está inserida. Enquanto a cultura de massa atende as vontades do mercado capitalista que tem a única intenção de obter lucro através da manipulação, a cultura popular é feita do povo para o povo, fomentando meios tradicionais e orgânicos de expressões artísticas que revelam uma identidade sócio cultural legítima. Claro, seria inadequado ditar regras para se curtir o Carnaval ou mesmo fazer uma comparação entre o Carnaval de Pernambuco e o de São Paulo, pois ambos tem sua importância histórica (embora saibamos qual é o melhor…); mas, o fato é que o Carnaval é uma festividade política e popular que se torna bem mais interessante quando se tem essa percepção, e Urbano reflete a respeito:

“O que acho massa no Carnaval de Goiana é que ele não é gigante feito o de Olinda e Recife, onde às vezes você não consegue nem respirar nos locais. Poder se divertir e extravasar é o que importa nessa época. Quanto mais eu vou percebendo que isso para uma cidade agrega um certo tipo de valor político, para não consumir tanto o Carnaval de massa, como era antigamente em Goiana. Não criticando, mas defendendo mais o lado da brincadeira em si. Seguir uma Orquestra cantando as composições de Carnaval é muito bonito e devemos dar continuidade a essa tradição para que se prolifere, para que as ruas não fiquem apenas emparelhadas por paredões de som e que haja uma apreciação do Frevo, do calor do Carnaval que é muito lindo.”

Imagem: Acervo Os barbudos que se virem

Depois da primeira edição em 2017, a segunda só veio acontecer em 2019, com a concentração realizada no Ateliê Valcira Santiago. Só agora, em 2023, vai acontecer a terceira edição. E a razão desse tempo entre as edições tem um motivo. Mesmo antes da pandemia da Covid-19 ser decretada, o Carnaval goianense já passava por dificuldades, sendo a principal delas, a falta de incentivo financeiro e cultural para se realizar as festividades típicas, que exigem muita organização, preparação, confecção das roupas, decoração das agremiações, ensaios e etc. Um bloco novo de Carnaval, ou troça, vai encontrar ainda mais dificuldades para desfilar pelas ruas da cidade, principalmente se o fundador não tiver recursos financeiros para custear as demandas e não tiver contatos que possam contribuir generosamente para a brincadeira acontecer. O Carnaval é uma brincadeira séria em que muitas pessoas conseguem uma grande fonte de renda, pode gerar muitos empregos temporários, retorno financeiro e visibilidade turística, se existir competência para gerir e fomentar essa efervescência cultural.

Cartaz da segunda edição realizada em 2019

Foi justamente por isso que Urbano realizou uma prévia dos Barbudos no Sebastião Café e Bar, para levantar fundos e fazer a troça acontecer. Ele explica:

“Muitas vezes precisamos do setor público para conseguir dar continuidade a essas coisas. Tive que fazer essa prévia para arcar com os custos do bloco, porque temos que valorizar os artistas, afinal eles cobram cachê para tocar e não curto a ideia de fazer um bloco pago. As pessoas têm o direito de brincar no Carnaval. O Carnaval é político. Uma coisa que eu percebo muito sobre a gestão municipal é que é difícil conseguir um certo reconhecimento, então, quando penso que, se eu não correr pelo meu bloco e se não encontrar parceiros, eu vou ficar a mercê da Prefeitura e eu não uma pessoa ligada a Prefeitura. O bloco tem muita mais resistência por causa do pessoal que tem vontade de fazer acontecer, de ajudar, mais do que a gestão municipal, porque estão muito mais preocupados em realizar um cadastro das agremiações e blocos, mas não chega junto de fato. No fim, o Carnaval quem faz é a gente, e quando alguém vem querer ajudar, incentivar, isso me deixa muito feliz e é o que me deixa mais despreocupado se a Prefeitura vai dar alguma visibilidade, pois dificilmente dá.”

Raphael Urbano, artista e criador da troça Os barbudos que se virem discotecando na prévia. Foto: @lampejofotografia

Ele conclui sua linha de raciocínio:

“Eu sempre tive o apoio do Coletivo Útero, do qual eu faço parte, e também dos meu amigos. Isso para mim é mais importante do que estar realizando a troça todo ano. Claro, espero que se torne algo tradicional da cidade, mais uma alegria, mas é difícil de se manter essa energia toda. Em 2020 o bloco não saiu por causa da questão da pandemia, mas esse ano precisa sair porque precisamos pegar as cinzas que se acumularam de 2021 e 2022 e queimá-las para começar um ciclo novo. Esse ano estou vindo com mais vontade e já pretendo fazer ano que vem. Espero que futuramente haja mais espaços e diálogos entre a Prefeitura e os blocos tradicionais, os fazedores de cultura, brincantes, enfim, para gerar ideias. É muito especial criar esse momento de referência de onde moramos, de rolar aquela identificação e perceber que está todo mundo curtindo e não é uma festa comercial, é do povo para o povo.”

DJ Trans&Tória discotecando na prévia. Foto: @lampejofotografia
DJ Mobius discotecando na prévia. Foto: @lampejofotografia
Momento registrado da prévia da troça que aconteceu no dia 5 de feveiro de 2023, no Sebastião Café e Bar.
Foto: @lampejofotografi
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A terceira edição da troça carnavalesca anárquica, alternativa e artística Os barbudos que se virem irá acontecer às 16 horas, no próximo domingo (dia 12/02) no Ateliê Valcira Santiago, localizado na Rua da Conceição, em Goiana-PE. As atrações serão: DJ Rapha Urbano, DJ TRANS&TÓRIA e DJ Mobius, fazendo uma discotecagem para animar todos os espíritos carnavalescos. ENTRADA GRATUITA. Compareça e fortaleça a cena cultural alternativa da sua cidade!

Descontração e alegria na prévia da troça Os barbudos que se virem.
Foto: @lampejofotografia

Você pode contribuir com qualquer valor para que a troça desfile com uma Orquestra de Frevo pelas ruas de Goiana e ainda participa de dois sorteios! Pix Email: raphaelurbano@gmail.com (Raphael Urbano Pessoa.)

Links úteis para você conhecer melhor e ficar por dentro da cultura independente e alternativa de Goiana:

https://www.instagram.com/osbarbudosquesevirem/

https://www.instagram.com/coletivoutero/

https://www.instagram.com/lampejofotografia/

https://www.instagram.com/blococomoassim/

https://www.instagram.com/atelievalcirasantiago/

https://www.instagram.com/sebastiaocafeebar/

  1. Carnaval é o tempo e a hora de recarregar energias transformadoras. Quem tem barba negativa que a coloque de molho 🤪 Nosso barbudinho hot total Rafinha é tudo de bom.
    SALVE Os Barbudos Que Se Virem

    Comentário por Cristina França em fevereiro 10, 2023 as 3:04 pm