A banda com formação Duo apresenta a “Negative Music”, um prato cheio para quem curte um som mais extremo e fora dos padrões.
Por “O Imundo”
No último dia 12, secretamente, a Negative Moon lançou seu primeiro disco de estúdio, o “Retendo Movimento” (disponível nas plataformas de streaming). A banda possui uma formação em Duo, onde Tristinho assume um baixo extremamente distorcido e vocais lamuriosos enquanto Neon – Negative Drum Machine assume as baquetas e drum-patterns do disco, fazendo desta união um afrontoso questionamento sobre nossa percepção de o que é Arte.
O álbum, que permeia entre o pós-punk, DSBM (Depressive Suicidal Black Metal), elementos de música eletrônica, noise, drone e blackgaze, apresenta uma sonoridade um tanto difícil de digerir a princípio, mas repleta de elementos interessantes e muito bem explorados conforme seu desenvolvimento. Este mix vem a ser um prato cheio para quem curte um som mais extremo e fora dos padrões, ainda mais quando tratamos de suas faixas instrumentais, reforçando a sonoridade ao qual a banda classifica simplesmente como “Negative Music”.
As (poucas) letras tratam de temas delicados, geralmente do ponto de vista de um eu lírico afundado numa realidade depressiva e com soluções pouco táteis, como um choro rasgado após uma grande tragédia aristotélica.
“A grande sacada da Negative Moon, o sofrimento e todas as coisas envolvidas no trabalho, pra mim, é uma forma de catarse. Uma grande tragédia e isso é libertador. A Negative Moon às vezes se inspira num problema pequeno do dia-a-dia e trabalha para transformar isso em algo catastrófico e gigantesco. E acho que esta é a grande sacada. Especialmente nas vezes que a banda se apresenta ao vivo. É uma grande tragédia. Um bizarro Freaky Show”.
– Neon, Negative Drum Machine.
Baterista
Quanto às influências, os integrantes citam a importância de bandas como Mortiis (Industrial/Dark Ambient), Death Grips (Hip-Hop experimental), toda a barulheira do Swans (Noise Rock), a dramaticidade do Ulver (Post-Punk/DSBM) e a oniricidade do My Bloody Valentine (Shoegaze). A banda transita entre sons como Boris (experimental), Merzbow (Noise), Celtic Frost (Thrash/BM), Sun O))) (Drone), entre outros. Traz também um cover da reconhecida banda “Lamúria Abissal” (Black Metal) e homenagens como a faixa “Escvro”, referência à banda brasileira de Black Metal homônima.
ANÁLISE DO DISCO
As primeiras impressões para com o disco são de completa estranheza e insegurança. A Faixa “Desgastando Espíritos”, que abre o disco, é encharcada de componentes do Metal Negro e serve como uma imponente esfinge, devorando e cuspindo fora os ouvintes menos preparados para este tipo de som visceral, sendo, desta forma, uma faixa importantíssima para quem abre-se ao processo de desconstrução (e descontrole!) musical.
Seguida pela “No Céu de uma Noite Estrelada”, que apresenta uma sonoridade mais digerível, mostra uma faceta diferente da banda: Elementos de Dark Ambient se mesclam ao som mecânico do Industrial e o Post-punk numa faixa instrumental que instiga ao ouvinte uma reflexão ao se permitir explorar uma espécie de música eletrônica pouco convencional.
Talvez a mais conhecida das músicas, “De Uma Profunda e Cancerígena Melancolia”, cover da banda “Lamúria Abissal”, traz uma versão mais curta e intimista desta faixa que é uma das peças-chave na sonoridade do disco, com um baixo marcante e sussurros melódicos de um sintetizador muito bem aplicado, trazendo uma ambiência estranhamente confortável.
“Nos Primeiros Raios da Manhã” é uma faixa instrumental que ilustra bem ao que veio a Negative, misturando ruídos climáticos relaxantes de White Noise à frases executadas de forma maestral no contrabaixo, o qual consegue emular com perfeição um teclado acolhedor, complementado por uma bateria marcante, fazendo toda a saturação e ruído formarem um som uníssono e, ouso dizer, harmonioso. Talvez a faixa que mais prende a atenção no disco, funciona como a cereja do bolo. No álbum, apresenta uma versão completamente instrumental, mas, para os mais interessados, dá pra dar uma sacada na versão com letras no Youtube, igualmente impactante.
Já “887545125487” explora uma melancolia em acordes dissonantes de contrabaixo em tensos 2:10 minutos de música, explorando uma bela crescente até ser interrompida pela pressão de “Virvs”, faixa esta que talvez seja uma referência a este momento delicado de pandemia, onde precisamos interromper nossas atividades normais por conta de um vírus invasor. Mais uma vez temos uma bateria bem marcada guiando a viagem e um contrabaixo transgressor, recheado de distorções e ecos. Na sequência, “Escvro” segue uma sonoridade similiar às duas últimas músicas, quase como um complemento às músicas anteriores, mas torna-se mais um desafio aos ouvintes de primeira viagem que podem não entender muito bem toda a tensão que esta faixa traz ao disco.
“Mergulhado no Silêncio” aparece como uma música tímida a princípio, modificando-se de forma crescente à medida que novos elementos são adicionados, onde, mais uma vez, o noise fica responsável por ligar esses elementos em alguma forma de coesão sonora, comum ao estilo, à medida que a repetição torna os padrões familiares, culminando numa experiência bastante interessante.
Para finalizar, temos a onírica “Na Dor…”, resgatando alguns temas já trabalhados em outras faixas do disco, sintetizando a experiência de forma precisa e provocativa, mas não menos melancólica e dramática. Ao mesmo tempo que sintetiza todas as outras faixas, esta música, por si só, é uma completa destruição de tudo aquilo que você poderia esperar do encerramento, como toda grande tragédia deveria terminar, que toma o ouvinte por uma nova perspectiva musical e emocional.
Em suma, o disco é importantíssimo para o cenário brasileiro de música extrema. Sendo o primeiro de uma banda nascida em Goiana, no interior de Pernambuco, cidade que carrega um forte apreço às suas tradições religiosas, rodeadas de igrejas e monumentos sacros, a Negative Moon e suas pouquíssimas palavras propõem uma subversão aos padrões estéticos musicais, afundando-se em temas delicados e melodias inconvencionais. A forma em que temas difíceis e pouco abordados são tratados aqui reforçam a ideia de que a arte é capaz de aliviar os sentimentos mais animalescos do ser humano de uma forma adulta e íntegra para quem possuir uma mente aberta à novas propostas.
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