CEPPC-PE aprova, por unanimidade, Registro do Carrego da Lenha como Patrimônio Cultural Imaterial

Processo teve como diferencial o Inventário Participativo realizado pela Fundarpe em conjunto com IHAGGO, AQPSL, e detentores e detentoras

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Crédito das fotos: Eduardo Cunha/Secult-PE/Fundarpe

Cortejo, poemas feitos na hora e canção. A reunião extraordinária do Conselho Estadual de Preservação do Patrimônio Cultural de Pernambuco (CEPPC-PE) que votou, por unanimidade, a favor do Registro da Procissão do Carrego da Lenha, da Povoação de São Lourenço de Tejucupapo, no município de Goiana, como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado foi marcada pela emoção. O evento ocorreu, nesta quinta-feira (8), na Academia Pernambucana de Letras, no bairro das Graças, Zona Norte do Recife.

Com base na Lei nº 16.426, de 27 de setembro de 2018, que instituiu o Sistema Estadual de Registro e Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, o requerimento de registro foi formulado pelo Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana (IHAGGO), em 2022.

A reunião foi conduzida pela presidente do CEPPC-PE, Cláudia Regina de Farias Rodrigues, vice-presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de PE (Fundarpe) e representante titular do poder público. O primeiro ato foi a leitura do parecer conclusivo pelos conselheiros relatores, Roberto Pereira (representante de Notório Saber) e Mônica Siqueira (representante da sociedade civil na área de Expressões Culturais de Pernambuco registradas como Patrimônio Cultural Imaterial).

Após a leitura, alguns conselheiros pronunciaram suas considerações. “Uma peça literária”, elogiou Margarida Cantarelli, também representante de Notório Saber. História viva de Pernambvuco. Justo e meritório reconhecimento”, completou.

“Quando vejo as crianças aqui isso é a garantia da continuidade da procissão”, observou Harlan Gadêlha Filho”, suplente da sociedade civil de Centros de Documentação e Memória: Arquivos, Bibliotecas, Espaços de Memória e Museus.

Em sequência às considerações, o Registro da Procissão do Carrego da Lenha como Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco foi votado e aprovado por unanimidade. A partir daí, a Resolução nº 08/2024 será encaminhada para a Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE) e, em seguida, para hologação da governadora Raquel Lyra a fim de ser publicada em forma de decreto no Diário Oficial do Estado.

Coube ao gerente de Patrimônio Imaterial da Fundarpe, Marcelo Renan de Souza, apresentação a equipe técnica, formada por André Cardoso e Fernando Montenegro, assessores técnicos da Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural (DPPC); e Aline Bonfim e Júlia Bernardes, assessoras técnicas da Gerência de Patrimônio Imaterial (GPI), que conduziram a pesquisa em parceria com a comunidade da Povoação de São Lourenço de Tejucupapo.

Marcelo Renan destacou a ênfase na condução por parte da equipe de Educação Patrimonial. Ainda explicou como se deu o processo de pesquisa, no modo de invetário participativo, em que pessoas da comunidade trabalharam em parceria com a equipe técnica da Fundarpe. O processo de salvaguarda, como lembrou o gerente, tem como objetivo garantir a manutenção da procissão. Para isso será elaborado um plano de salvaguarda que assegure a participação do Estado sempre que houver demandas da comunidade, sendo o CEPPC-PE o agente de fiscalização nessa cadeia.

“Essa pesquisa em parceria com a comunidade é uma experiência nova para nós, de Educação Patrimonial”, complementou Fernando Montenegro. “Pretendemos incorporar aos próximos processos de registro”, revelou.

A sessão, que já estava emocionante, transbordou de sentimentos com o pronunciamento de alguns dos membros da própria comunidade. Ceça do PT interpretou uma canção. A poeta goianense Miriam Dourado e a antropóloga e liderança comunitária Crislaine Venceslau recitaram poemas feitos na hora. “É necessário ter a valorização do trabalho da mulher no quilombo”, defendeu Crislaine.

“Enquanto liderança, não poderia faltar ao compromisso com minha comunidade”, disse Dadá Quilombola. “O registro vai dar mais visibilidade a nosso quilombo. Estamos em festa”, comemorou. E contextualizou: “O Carrego da Lenha é católico. Hoje ele se torna de Pernambuco. Viva São Lourenço Mártir!”, vibrou.

O professor Bartolomeu Júnior lembrou que o Carrego da Lenha não é só de São Lourenço de Tejucupapo: “É de toda uma região, vários distritos e municípios, inclusive da Paraíba”. Já a estudante Janiele Schimdt, filha de caranguejeiro, defendeu que “a juventude precisa de mais protagonismo”, referindo-se aos jovens da comunidade que se envolveram na pesquisa.

Representante da paróquia local, Marcos Augusto de Souza afirmou que quando se preserva a cultura, preserva-se a história. “E quando preservamos a história não cuidamos do que passou, mas do que vem adiante”, filosofou.

Ainda em tom filosófico, João Francisco, Zinho, lembrou da história da árvore do esquecimento em que toda vez que os africanos iam embarcar no navio negreiro, para serem escravizados no Brasil, eram obrigados a dar voltas em torno de uma árvore e forçados a deixar a terra natal e toda sua história. “Aqui estamos uma volta ao contrário, da lembrança”, antagonizou. “Aqui está plantada uma árvore da lembrança.”

A PROCISSÃO – A Procissão do Carrego da Lenha é uma tradição na Comunidade Quilombola de Povoação de São Lourenço, distrito de Tejucupapo-Goiana, com mais de 130 anos de existência, realizada nas festividades do padroeiro daquela comunidade, no dia 10 de agosto, cortejo que valoriza um trabalho manual, o carrego da lenha, tarefa que na época colonial/imperial era menosprezada sendo um trabalho das gentes simples que no passado ainda no presente compõe aquela realidade.

A celebração incorpora a forte devoção e homenagens que são realizadas ao santo padroeiro da localidade, São Lourenço, inscrita no Livro de Registro das Celebrações, e se soma à Festa de Agosto de São Lourenço da Mata, registrada como Patrimônio Cultural Imaterial do Estado em 2022.

A Procissão do Carrego da Lenha possui, além dos elementos religiosos católicos, sentidos simbólicos que atravessam as relações da comunidade. A data do dia 10 de agosto de 258, na tradição cristã, é marcada pelo falecimento do primeiro diácono da Igreja Católica, Lourenço, nascido na cidade de Huesta, Espanha.

Lourenço, foi designado pelo Papa Sisto II para ser o responsável pelos bens da Igreja e pelos cuidados com os pobres, doentes e viúvas. Durante o governo de Valeriano I, os cristãos e suas práticas foram fortemente combatidas; o Papa Sisto II, foi condenado e decapitado, tendo como consequência a perseguição a Lourenço. Após a insubordinação contra as autoridades romanas, Lourenço foi condenado à morte, sendo torturado e posto numa grelha em brasas.

O Carrego, como também é conhecida a procissão, é organizada por membros da comunidade local. No dia 10, pela manhã, a lenha utilizada está organizada na entrada dos dois acessos ao povoado para que as pessoas possam carregá-la durante a procissão. Normalmente uma banda filarmônica de Goiana, Curica ou Saboeira (Patrimônios Vivos de Pernambuco), acompanha os louvores e cânticos entoados pela multidão. No fim a lenha é depositada em frente à Igreja Matriz de São Lourenço formando a grande fogueira que é queimada em homenagem ao padroeiro.

A Procissão do Carrego da Lenha é uma referência identitária e de pertencimento que atravessa gerações há mais de um século na comunidade. Possui características de cunho sagrado e profano remetendo às disputas por território, poder e religiosidade na história do povoamento local. Atualmente reúne pessoas de diversos lugares, idades e gêneros, além de moradores locais.

O PROCESSO – O Instituto Histórico, Arqueológico e Geográfico de Goiana (IHAGGO) submeteu, em 5 de setembro de 2022, o requerimento de registro da Procissão do Carrego da Lenha como Patrimônio Cultural Imaterial de Pernambuco à Secretaria Estadual de Cultura (Secult-PE). Após estudos realizados pela Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural da Fundarpe, a Secretaria acatou o requerimento de registro do bem.

Após a abertura do Processo de Registro coube à Fundarpe dar início à instrução técnica para a produção de inventário sobre o bem cultural e elaboração do parecer técnico conclusivo do processo de registro conforme previsto na Lei nº 16.426 de 27 de setembro de 2018.

INVENTÁRIO PARTICIPATIVO – A instrução técnica de registro contou com a elaboração de um Inventário Participativo da Comunidade Quilombola de Povoação de São Lourenço realizado pela Fundarpe em conjunto com o IHAGGO e com a Associação Quilombola de Povoação de São Lourenço (AQPSL) e detentores e detentoras. Foram inventariadas referências culturais da comunidade que passam pelos lugares, saberes e fazeres, bens da culinária e gastronomia local, das festas, ritos e celebrações, entre elas a Procissão do Carrego da Lenha.

A elaboração do inventário participativo contou com a participação do Núcleo de Educação Patrimonial da Fundarpe e teve início em dezembro de 2023. Ao longo do processo a Fundarpe contou com a colaboração e parceria do IHAGGO e da AQPSL, além de detentores e detentoras que contribuíram tanto na pesquisa bibliográfica e no mapeamento de lideranças e referências da comunidade. Os resultados preliminares do inventário participativo embasaram o parecer técnico encaminhado ao CEPPC-PE para deliberação pelo registro do bem no Livro de Registro das Celebrações.

PLANO DE SALVAGUARDA – Após a publicação do Decreto de Registro do bem pela Governadora do Estado, Raquel Lyra, a Fundarpe dará início à elaboração do Plano de Salvaguarda do Bem Cultural, em parceria com o IHAGGO e com a AQPSL e detentores e detentoras.


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