Por Guilherme Souza

Depois de dois anos sem carnaval devido a pandemia da Covid-19, agora, finalmente o sentimento carnavalesco pôde tomar conta das pessoas e invadir as ruas das cidades do Brasil. Aquela vontade de gritar em uma explosão de alegria e um suspiro de alívio finalmente nos foi concedido, e ainda mais considerando que passarmos quatro anos sob um governo conservador e inimigo da cultura popular. Entretanto, já desde 2020 (pré-pandemia) que o carnaval goianense não via desfilar um dos blocos mais irreverentes dos seus últimos 20 anos: o “Como Assim?”, que foi fundado no ano de 2006, e desfilou pela primeira vez em 2007. Desde então, o bloco desfila toda quinta-feira pré-carnavalesca, já fazendo parte do tradicional carnaval de Goiana, Pernambuco. O nome se deu por um bordão de um dos fundadores e casou muito bem com a proposta do conceito do bloco, como exemplo: “Como assim, você veio?” ou aquela expressão de surpresa ao ver uma fantasia que ninguém entende do que se trata: “Como é assim, o que é isso?”.

Marco Aurélio, professor, artesão e um dos fundadores do bloco, explica como surgiu a iniciativa e qual o conceito do “Como Assim?”:

“Eu e alguns amigos frequentávamos o Bloco dos Professores e íamos fantasiados, porque a graça era essa. Mas resolveram colocar abadá e nos sentimos por fora, nós que éramos amantes das fantasias. Então, no ano de 2006, decidimos fazer um bloco e foi daí que surgiu o ‘Como Assim?’. Atualmente, quem está na frente do bloco sou eu e Giselia Gomes, que está comigo desde a inauguração, e mesmo morando em Recife sempre vem dar todo o apoio. Os demais criadores, infelizmente não fazem mais parte da organização, mas fazem parte dessa história. O ‘Como Assim?’ é um bloco totalmente democrático, onde não importa a sua fantasia, idade, classe social e gênero. Surgiu da ideia de que ninguém precisa pagar para se divertir, para curtir o carnaval. Se a pessoa quer pagar pelo seu abadá, tá tudo bem, mas Goiana também precisa de blocos livres e é por isso que o ‘Como Assim?’ faz tanto sucesso até hoje, porque é um bloco de rua, um baile municipal gratuito onde todo mundo pode se divertir.

O “Como Assim?” surgiu numa época em que o frevo estava ficando em segundo plano em Pernambuco, principalmente em Goiana. Para se ter noção do contexto, em Olinda, por exemplo, desde 2003, existe uma lei que proíbe os sons mecânicos (como caixas de som, paredões de som e etc.) durante a passagem das orquestras itinerantes e passagens de blocos nas ladeiras do Sítio Histórico, uma vez que, as músicas reproduzidas em volume altíssimo, acabam descaracterizando as festividades carnavalescas tradicionais, que são animadas pelo centenário Frevo – Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade (reconhecido pela UNESCO em 2012). Se em Olinda, ao menos, existe uma fiscalização da prefeitura para evitar que essas estruturas de som obstruam as orquestras de frevo, em Goiana, a problemática é ignorada pela gestão municipal. Esse fato já vinha incomodando a diretoria do “Como Assim?” há bastante tempo, mas em 2020 foi a razão definitiva para que o bloco não desfilasse.

Marco dá mais detalhes sobre esse fato:

“Nos últimos eu tenho vivido um sentimento de tristeza mesmo, porque a gente trabalha para abrilhantar o carnaval de Goiana, e vem um determinado indivíduo com seu paredão de som e descaracteriza a proposta que a gente tem para o ‘Como Assim?’. Eu não quero demonizar o paredão de som, mas não é algo que faz parte do bloco, então isso fica chato e deselegante, é uma falta de respeito. Como é que você vê uma orquestra de frevo passar e você não desliga o seu paredão, que cultura é essa que estamos vivendo? Isso é revoltante. Em anos anteriores eu saía no dia após o ‘Como Assim?’ com uma sensação fantástica de dever cumprido, mas, essa falta de respeito do pessoal que trazem os paredões de som é realmente o grande problema do bloco, desde muito tempo. Eu não tenho problema com blocos de paredão ou se numa concentração você os usa, mas o ‘Como Assim?’ não é desse jeito. Nós planejamos o bloco durante o ano todo, para em uma noite, uma pessoa se achar no direito de colocar o seu paredão de som. Isso desagrada muito, é um absurdo.

Como Marco bem frisou, não existe problema algum com os paredões de som e a música que toca através deles. Embora este ano a problemática tenha se repetido no largo da Rua Luiz Gomes (local onde o “Como Assim?” se concentra), é preciso levar em consideração que Pernambuco é um Estado de grande diversidade musical e todas as expressões possuem a sua importância, mas mais importante ainda é aprender a respeitar a história de tradição do frevo e o quão especial ele é para Pernambuco, como uma grande expressão cultural das classes populares. Sendo assim, é preciso criar uma conscientização de forma educacional e não imposta de forma arcaica, para que o povo reconheça e dê valor para as suas raízes musicais.

Segundo Marco, ao longo dos dezesseis anos de existência (tirando os dois da pandemia e em 2020 que o “Como Assim?” não foi as ruas), a prefeitura sempre ajudou o bloco de alguma forma, mas não 100%.

Ele revela:

“Esse é o primeiro ano que a prefeitura está apoiando o ‘Como Assim?’ em tudo. Durante esses dezesseis anos, a única gestão que não apoiou o carnaval, foi a gestão de Fred Gadelha. Durante os anos da sua gestão, o bloco saiu graças a ajuda de amigos, então a única ressalva que eu tenho de todos esses anos foi a fatídica gestão de Fred Gadelha. Mas agora, vimos uma Goiana bonita no carnaval, querendo resgatar o nosso brilho e o ‘Como Assim?’ foi chamado para desfilar, porque até então a ideia era não sair mais, porém a prefeitura nos procurou e apoiou totalmente o ‘Como Assim?’

E ele continua falando sobre a relação da gestão municipal com o carnaval:

“Goiana tem um potencial turístico muito grande, seja ele nas praias, seja ele na cidade em si. As nossas festividades realmente oferecem diversão, tanto na semana pré-carnavalesca como durante o próprio carnaval. Nós temos artistas e toda uma diversidade para mostrar, como atrair turismo, e essa gestão atual está dando um devido incentivo. O próprio prefeito me procurou e pediu para que a gente voltasse com o ‘Como Assim?’ para Goiana. Mas Goiana precisa vivenciar mais a sua cultura, de arte, de música… porque é disso que a gente precisa.”

Este ano, mais uma vez, de forma acertada, o “Como Assim?” contou com artistas goianenses: foi apresentado pelo artista Lucas Torres, com discotecagem do DJ Rapha Urbano e show da cantora e performer Sandy Chamego a Mil, tocando um repertório típico da época carnavalesca, com muita irreverência. Já a orquestra que puxou o bloco foi a Orquestra 100% Frevo, de Paudalho. O “Como Assim?”, apesar da sua curta existência em relação ao tradicional carnaval de Goiana, já pode ser considerado uma legítima atração da cidade, que tem um potencial turístico considerável. Se futuramente houver maior incentivo da gestão municipal na sua organização, é possível até mesmo que o bloco se torne um cartão postal, referência da Zona da Mata Norte de Pernambuco e além. Uma prova disso, é a repercussão que o “Como Assim?” causou nas redes sociais ao ter sua volta anunciada por Marco Aurélio e compartilhada aos montes. Uma empolgação geral que não se via há tempos, pois é o único bloco goianense que incentiva a criatividade das pessoas para se fantasiar e assim curtir o carnaval à moda antiga, provando que, as tradições culturais, quando são boas, devem ser cultivadas.

Marco fala sobre esse retorno:

“A repercussão foi grande. As pessoas nunca tinham marcado o ‘Como Assim?’ em postagens antes do bloco e dessa vez, as pessoas me pararam na rua, falando da ansiedade e da alegria pelo retorno do bloco, e isso me deixa extremamente feliz e emocionado, porque é uma história muito bonita, que vem antes mesmo da estreia do ‘Como Assim?’ em 2007. O uso de fantasia faz parte da minha vivência de carnaval, da minha família e fazer isso por Goiana é maravilhoso, tipo saber que uma criança pode ver um bloco à fantasia, de rua.”

E ele finaliza fazendo um balanço da edição de 2023 e conta sobre suas expectativas para a próxima:

“Eu achei uma edição extremamente positiva. Eu gostaria que as atrações tivessem tido mais tempo para se apresentar, porque foi tudo muito corrido. A orquestra foi a cereja do bolo, muito emocionante e espero que ano que vem possa contar com ela novamente. Foi realmente fantástico. Agora, a ressalva que eu faço é mesma de todos os anos: o problema dos paredões. Eu soube que depois que o bloco seguiu o seu percurso, os paredões ficaram na Rua Luiz Gomes e teve brigas, e mesmo que o bloco já tivesse saído, ali acaba ficando taxado como se ainda fosse o ‘Como Assim?’.”

Apesar da problemática recorrente que são os paredões de som durante o desfile do bloco, atrapalhando a orquestra de frevo, a edição de 2023 do “Como Assim?” já pode ser considerada uma das mais importantes, não apenas da sua própria história, mas do carnaval goianense, pois mostrou que seu brilhantismo não ficou no passado, pelo contrário, ajuda a manter vivo o real espírito carnavalesco tradicional, democrático e popular. Que em 2024 o “Como Assim?” possa ser ainda mais marcante, criando momentos de folia inesquecíveis.

Hino do “Como Assim?”

(Composição de Lucas Torres, feita em 2018)

“Passei o ano todo a te esperar

Ver os confetes espalhados pelas ruas

Cruzando igrejas, praças e matas

Em cada canto a de brotar uma fantasia

A noite toda vem para iluminar

Em nossos olhos pierrots e colombinas

E a saudade verte com toda lembrança

Vejo as memórias como estrelas lá no céu

Quando vem chegando a quinta-feira

Da semana que antecipa o carnaval

Mas vejam só, mas que beleza, a vida vira uma folia

Todo mundo vibra, todo mundo é alegria

Felicidade não tem fim

Sinto meu corpo vibrando, que entra na magia

Venha me abraçar no Como Assim”

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