Quando a cultura e a arte foram usadas em Goiana como instrumentos de resistência para combater preconceitos e constituir um legado popular
Por Guilherme Souza
Uma breve introdução histórica e contextual sobre o racismo que ainda assombra este país
“Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista.” – Angela Davis, professora e filósofa socialista
Para além das belezas naturais do nosso país que são usadas de cartão postal e a nossa fama de povo acolhedor e festeiro, o Brasil é marcado por uma história de racismo que foi enraizado no momento em que o pensamento eurocêntrico aportou em nossa terra. Desde os primórdios, muito da cultura dos povos originários e negro sofreram preconceito e apagamento histórico (sem falar dos genocídios), em detrimento do padrão europeu do que é belo, moral e aceitável de acordo com a visão cristã fundamentalista. É preciso lembrar que o Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão e não criou nenhum sistema de inserção digna para a população negra logo após.
Se nos dias de hoje, para os ideais progressistas o racismo é inaceitável e é crime perante a LEI Nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, isso não significa que o racismo estrutural não seja cometido e praticado pelos autointitulados cidadãos de bem, que, não por acaso, são brancos que acreditam em “racismo reverso”.
Até hoje, terreiros são incendiados; pretos e pardos recebem menos exercendo um mesmo cargo do que um branco; a situação do mercado de trabalho é menos favorável para a população negra; enfim, em diversos campos da nossa sociedade, como a economia, educação, saúde e moradia, a população negra sofre da desigualdade e vulnerabilidade social. São fatos que podem ser checados facilmente na internet através do site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Evidentemente, o setor cultural voltado e realizado pela população negra, também sofre todo tipo de preconceito, censura e esvaziamento de sua essência. A música, a moda, o audiovisual, a comunicação: por mais que atualmente seja notada a presença de negros e negras atuando nessas áreas, ainda existem tantos outros e outras que continuam sendo silenciados, humilhados, violentados e mortos. E é justamente através da arte e seus desdobramentos que a resistência cultural se faz mais presente. Uma resistência que se faz não pelo romantismo, mas pela necessidade da luta antirracista, da representatividade e da valorização cultural da identidade negra e popular.
“O racismo é um crime perfeito no Brasil, porque quem o comete acha que a culpa está na própria vítima. Além do mais, destrói a consciência dos cidadãos brasileiros sobre a questão racial. Nesse sentido, é um crime perfeito.” – Kabengele Munanga, especialista em antropologia da população afro-brasileira
Um legado cultural que deve pertencer à memória popular
Foram muitas as pessoas que ficaram registradas na trajetória do Alafiá, da sua concepção até a sua realização. O nome “Alafiá”, a propósito, foi sugerido pelo saudoso babalorixá Pai Carmelo de Ogum, que dentro do oráculo africano, representa positividade, tudo de bom. A escolha do nome se deu numa reunião embrionária do projeto no prédio do antigo Fórum de Goiana, onde hoje é a Secretaria de Obras do município. Por se tratar de uma manifestação artística de cunho popular e com ênfase na cultura de matriz africana, houve alguns empecilhos para que o evento fosse realizado, desde o início, embasados em preconceito e desinteresse de compreender a tamanha diversidade cultural que o Alafiá propunha.
Mas, a organização dos indivíduos nesse projeto tinha um forte envolvimento e sentimento de colaboração para que o evento acontecesse, mesmo que desacreditado até pelo governo municipal de outrora, que não enxergava potencial na idealização do Alafiá. A artista e cantora goianense Mônica Maria, um das envolvidas com o Alafiá desde os primórdios e uma das ex-integrantes do Macumbá (grupo que, segundo ela, foi cria do Alafiá, pois foi idealizado para se conectar com a proposta do evento), relata como foi o primeiro contato com a gestão municipal da época, para conseguir apoio para a primeira edição do evento:
“Antes de acontecer o primeiro Alafiá, nós fomos a prefeitura pedir uma força para a Secretaria de Cultura e a resposta que o secretário, na época, nos deu, foi de que ‘não iria dar, porque não adianta, o povo aqui não gosta desse tipo de evento e se vocês fizerem e der uma dúzia de pessoas, se deem por satisfeitos’. Saímos de lá bem abatidos com a falta de estímulo que ele nos passou. Mas no primeiro Alafiá, conseguimos lotar o pátio da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e eu fiquei impactada. O evento que era pra durar seis meses, durou seis anos ininterruptos, então, para mim, isso foi um grande impacto, porque percebemos o quanto as pessoas que gostam da cultura sentiam essa necessidade de apreciar nossa cultura.
Outra coisa que também me chamou muita atenção nessa época é que tempos atrás, quando as Pretinhas do Congo passavam pelas ruas fazendo sua apresentação, Rua da Baixinha, Rua Direita, víamos pessoas jogando bucha de laranja, vaiando com muito preconceito mesmo. Então, colocamos justamente as Pretinhas do Congo como anfitriã do Alafiá para quebrar isso e todo segundo domingo do mês, elas abriam o evento. Antes, elas não tocavam em palco, era só apresentação de rua, um cortejo muito rápido o primeiro que subiram foi o palco do Alafiá. Foi a partir daí que as pessoas começaram a perceber o valor das Pretinhas, tanto que depois elas gravaram CD, tem livro das Pretinhas, se apresentaram em alguns palcos bem importantes, como o da Festa da Lavadeira. Essa foi uma das vitórias que tivemos com relação a nossa cultura, o respeito das pessoas.”
Esse relato de Mônica é importante para fazer refletir sobre o quanto o povo goianense, até hoje em dia, não possuí uma relação de intimidade com a cultura popular e alternativa da própria Goiana, que é rica, diversificada e reconhecida para além da Zona da Mata Norte de Pernambuco. Muito dessa problemática, diz respeito principalmente, a falta de incentivo e de políticas públicas voltadas para os fazedores de cultura da cidade, como projetos, eventos e editais que possam valorizar devidamente os trabalhos artísticos autorais e fomentar o surgimento de novos fazedores e agentes culturais.
Antes do Alafiá ser aprovado de fato, foi implementado o NER (Núcleo Empreendedor Racial), onde aconteceram os planejamentos da criação do Projeto Cultural de Identidade Negra e Popular de Goiana. Com a aprovação do mesmo, foram convocados representantes de grupos culturais a uma reunião, a qual foi lançado a proposta de fomentar a cultura local e a missão foi prontamente aceita. Serginho da Burra, referência e figura carimbada da cultura goianense, foi outro que esteve presente desde o surgimento da ideia até a criação do projeto. Através de uma ação do programa da Secretaria de Ação Social no governo de Edval Soares, que na época tinha como secretário Alfredo Júnior, juntamente a nomes como Frei Tito e Carmelita – que tinham acesso no Recife aos movimentos sociais – foram os responsáveis para trazer para Goiana a ONG Djumbay – Direitos Humanos e Desenvolvimento Local Sustentável.
Serginho afirma que:
“A premissa do projeto foi desenvolver ações voltadas para a preservação e difusão das culturas afro-brasileiras, em um campo artístico, como também em ações acadêmicas e religiosas. Tivemos além do Alafiá, ações na Faculdade de Goiana, através do NEAB (Núcleo de Estudos Afro Brasileiros), com implantação do curso de pedagogia afirmativa, de pós-graduação e também tivemos por meio desse conjunto de ideias, o Intecab, que veio a Goiana para fortalecer e respaldar toda as casas de matriz africana mediante uma audiência na Câmara dos Vereadores, com a presença dos principais líderes das religiões em Goiana.”
A ONG Djumbay foi de extrema importância nessa missão em que se desenvolveu o Alafiá, que surgiu de fato por meio do programa Lembadilê, contemplando uma agenda voltada para a população negra. Situada no Recife, ela atuava na questão dos valores da identidade negra, pautada na lei LEI No 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabelecendo as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e de outras providências voltadas para o povo negro. Historicamente, é sabido que Goiana teria sido o primeiro munícipio do Brasil a abolir a escravidão, antes mesmo da Lei Áurea ser instaurada, que foi a lei que oficialmente extinguiu a escravidão no país. Então, fazia sentido que Goiana pudesse ter uma agenda que atendesse as demandas da população negra, afim de fomentar a sua economia e a sua cultura. Gilson Ferreira, um dos sócios fundadores e um dos coordenadores da Djumbay, além de um dos idealizadores que teve uma participação efetiva no processo de criação e execução do Alafiá, explica que ações estruturadoras, mesmo quando cessam a sua realização, podem ser percebidas pelo povo:
“Eu, como ativista da causa negra e da garantia dos direitos de um modo geral, ter participado da idealização e da realização de uma manifestação cultural como o Alafiá, é algo que me gratifica muito, que faz parte hoje do meu currículo e que contribuiu e até hoje contribui muito, para todos aqueles que como eu, tiveram a oportunidade de participar desse projeto. O Alafiá representou e representa hoje esse lugar de afirmação da cultura e da arte em Goiana. Se eu tivesse que resumir, diria que é a vitrine da essência artística cultural de Goiana, porque ele não se restringia ao palco, ele tinha o que se chama hoje de multiculturalidade e acontecia fora do palco também, principalmente, nas reuniões que realizávamos, no fortalecimento dos grupos, na integração e interação com as pessoas da cidade, então, isso tem um contexto místico, por assim dizer, de muito envolvimento. Por mais que eu e os demais que participaram e fizeram acontecer o Alafiá quiséssemos falar e retratar, não conseguiríamos, pela dimensão do que essa manifestação significou e significa”.
A invisibilidade da identificação cultural do povo negro
“Aqui no Brasil, como se criou esse mito da ‘democracia racial’, de que todo mundo se ama e todo mundo é legal, muitas vezes o próprio sujeito negro tem dificuldade par entender que nossa sociedade é racista.” – Djamila Ribeiro, filósofa, feminista negra, escritora e acadêmica brasileira
As manifestações culturais negras sempre foram resumidas a manifestações de menor importância por uma classe artística elitista, sendo consideradas desprovidas de intelectualidade ou apenas vistas de forma fetichista. Os importantes elementos culturais que carregam ancestralidade são apropriados de maneira indevida e desrespeitosa, afim de atender as demandas de uma indústria que esvazia a essência histórica desses símbolos.
Consequentemente, isso gera um desconhecimento da própria população negra com a sua identidade cultural, fazendo com que surja o fenômeno do preconceito da pessoa preta contra o seu igual. Uma situação recorrente: uma mulher negra que alisa os cabelos e tem sua identidade apagada ao longo dos anos para se adequar ao padrão “aceitável” ditado pela branquitude eurocêntrica. A repetição desse padrão acaba fazendo com que a população negra não se reconheça como referência de beleza e normalize as estéticas brancas como as oficiais a serem seguidas. Porém, quando uma mulher branca resolve fazer uso das tranças afro, ela é facilmente aceitada na sociedade por apresentar um estilo “de atitude”, ao contrário da mulher preta que, quando assume suas raízes capilares, é recebida com preconceitos de toda forma.
Por isso e vários outros exemplos de racismo que são vistos no dia-a-dia, políticas públicas, ações afirmativas e a valorização da autoestima negra formam um conjunto de medidas indispensáveis para criar a conscientização da população em geral sobre os males do racismo, bem como eliminar desigualdades historicamente acumuladas em um país onde o racismo é estrutural e amparado pelo privilégio branco, que acredita piamente no já citado racismo reverso, no início da matéria.
É só tomar como exemplo os poderes institucionais do país que operam a favor do Estado; existe um contraste explícito entre o perfil da população brasileira e sua representatividade no congresso. Enquanto a maior parte dos habitantes é negra (considere aqui pretos e pardos) e de mulheres, quase todos os parlamentares são homens brancos, predominando em cargos de gestão e comando dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, em detrimento de homens e mulheres negros. Mesmo que a representação de mulheres e negros na Câmara tenha aumentado nas últimas eleições, ainda está distante do percentual total da população no Brasil e é insatisfatório no quesito de representatividade étnico-racial e de gênero.
Você pode conferir e constatar os fatos por meio de dados estatísticos através desses links, que são dos sites oficiais do Senado Federal e da Câmara dos Deputados respectivamente, pautados também pelo IBGE:
Zinho “Alafiá”, que como o próprio sobrenome artístico já entrega, foi outro personagem importante na trajetória do Alafiá, tendo atuado na parte das atividades, mostras culturais e fazendo parte de reuniões do diretório. Ele também participou e teve contato com muitas bandas, tocando em nomes conhecidos do nosso cenário musical, como Amoenda, Gangazumba, Macumbá e de demais bandas que precisavam de um apoio percussivo ou de cordas. Zinho afirma que o impacto causado pelo Alafiá era percebido pela justamente pela valorização da identidade negra, como ele recorda e aponta as problemáticas da invisibilidade:
“O Alafiá trazia para comunidade goianense essa autoestima negra. Antes, as atividades de manifestações culturais negras eram vistas com maior preconceito e descrédito do que são vistas hoje. Na época, conseguimos transformar o Alafiá em um ponto de cultura, mas não conseguimos avançar porque o aporte financeiro não foi satisfatório para a manutenção. Mesmo que ele voltasse hoje, seria muito complicado, porque esse impacto de viabilização era voltado apenas para os prestadores de serviço e o comércio ao redor, mas os artistas não eram beneficiados. Isso foi um dos fatores para o Alafiá deixar de se manter em Goiana. Para que voltasse a existir, precisam existir políticas, não só no contexto imediatista, não se pensando apenas como um evento, mas como utilidade pública que merece ter uma manutenção do ponto de vista sustentável, visando tocar a cadeia produtiva da cultura popular e negra, para formar e dar capacidade para técnicos e artistas.
E ele continua:
“A importância da identidade negra aqui em Goiana é bastante presente, apesar das políticas de invisibilidade e nelas você não vê identificação nenhuma do povo negro, do ponto de vista, como você, por exemplo, dos patrimônios materiais. Você vê placas de identificação de igrejas e de outros monumentos, mas você não vê placas de identificação das casas de matriz africana. Isso tem um cunho político e é pensado de forma estratégica. Uma política voltada para a identidade negra tem que começar primeiro pela visibilidade, segundo, dar uma sustentabilidade nas atividades relacionadas. O Brasil tem uma população majoritariamente negra e Goiana não é diferente, então não faz sentido essa invisibilidade.
Mônica Maria complementa:
“A prefeitura nunca nos ajudou financeiramente. O máximo que a prefeitura fez no período em que o Alafiá estava tendo dificuldades financeiras para se manter, foi, vez ou outra, nos dar um transporte para buscar atrações de fora da cidade, como Paulista, Olinda e Recife. Para pagar som, palco, e alimentação, algumas vezes Zinho e eu conseguimos bancar algumas coisas, mas não era suficiente, não tínhamos condição financeira, então tivemos que encerrar o evento. Para voltar a existir o Alafiá, talvez pudesse ser através de projetos pelo Funcultura ou até mesmo por uma Secretaria de Cultura da nossa cidade que tivesse um olhar carinhoso, porquê não tem condição de fazer o Alafiá como era antes. Antigamente, quando fazíamos o evento, era de graça. O pessoal da equipe de produção, ninguém ganhava um centavo, era tudo por amor, de verdade, pela nossa cultura e pela nossa cidade. Nunca tivemos uma valorização das gestões passadas, então íamos buscar lá fora o que temos e muito aqui na cidade. Até as pessoas que vinham tocar aqui, só recebiam uma ajuda de custo, como o dinheiro do combustível ou uma alimentação e sempre tivemos muita preocupação em fazer tudo em Goiana, para que o dinheiro pudesse circular aqui na cidade.
Gilson Ferreira reforça:
“Em toda a história do Brasil, a questão artística cultural não é colocada nem a segundo plano, mas a plano nenhum, e em Goiana não seria diferente. Quando nós iniciamos o Alafiá, estava no terceiro ano do mandato do prefeito Beto Gadelha, que teve alguns problemas de ordem governamental, e embora o evento não dependesse essencialmente da prefeitura, era nossa ideia que ele se tornasse uma política pública, tal qual é o Festival de Inverno de Garanhuns, a Noite da Seresta do Recife, dos desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro, do Bumba meu Boi do Maranhão… mas era difícil, porque tudo o que conseguimos, foi através de patrocínio e de muita dedicação e empenho, de cada grupo musical e pessoa que contribuiu para que o Alafiá acontecesse. Manter um evento dessa proporção, é difícil. Nós procurávamos iniciativas do ponto de vista de produzir uma camisa do Alafiá para vender, e outras mais… para manter tudo isso, não é fácil. Geralmente, iniciativas artísticas culturais de caráter público, sem bilheteria, para permanecer, precisam de patrocinadores bastante significativos, permanentes e envolvidos com o processo. A gente ia construir isso, mas esse lugar de ‘desgovernança’ de Goiana, que desde aquela época até hoje ainda existe, de fragilidade, contribuiu para o encerramento das atividades. Porém, todos os fermentadores culturais daquela ocasião buscou uma vertente para se expressar.
Em uma matéria do extinto Jornal A Cidade que data do mês de outubro de 2007, quando o Alafiá completava quatro anos de existência, já era relatada as dificuldades que o evento enfrentava para manter suas atividades. Você pode conferir essa matéria no nosso site através desse link:
Até mesmo se tratando de material sobre o Alafiá na internet, pouquíssimo se encontra sobre o evento, além de oficinas e cursos de especialização na área de produção e comunicação, que foram realizados pelo ponto cultural do Alafiá. Sobre seus desdobramentos e o seu legado cultural que foi entrelaçado a rica cultura popular de Goiana, simplesmente não existem informações. Muito desse fato se deve a um descaso que já é normalizado quando se trata das demandas da identidade cultural negra e popular.
Como já foi dito, existe uma política de invisibilidade das minorias que atravessa os governos da cidade, enquanto as “políticas de balcão” são sustentadas por interesses individuais que insistem em perdurar erroneamente. Se por um lado, o descaso em Goiana pode vir da ignorância de gestões pouco sensibilizadas com as demandas populares voltadas para a cultura, por outro lado, o descaso com a cultura popular em âmbito federal não é incompetência, mas um projeto político sólido de invalidação. São táticas de desmonte e enfraquecimento do poder popular. Contudo, não importa de onde vem o descaso e como ele é aplicado, o povo é que, como sempre, paga as contas. É preciso se organizar para desorganizar as estruturas racistas do país.
Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmo erros do passado.” – Emília Viotti da Costa, historiadora e professora brasileira
“Consciência é uma atividade transcendente” (Frantz Fanon, psiquiatra e filósofo político marxista)
Se atualmente existe uma inclusão significativa do povo negro em diversos âmbitos sociais do Brasil, não é porque pesou a consciência da elite que é detentora dos meios de produção e dos meios de comunicação, mas porquê existe uma militância organizada, um ativismo do povo negro dentro da luta de classes na sociedade brasileira que vai além dos parâmetros da democracia burguesa e suas burocracias. Uma resistência que se faz necessária e repele um romantismo liberal e um idealismo barato da culpa branca que só pensa em lucro. É necessariamente sobre o que escreveu Frantz Fanon em “Os condenados da Terra” (1961):
“É preciso descolonizar as nações, mas também os seres humanos. Descolonizar é criar homens novos, modificar fundamentalmente o ser, transformar espectadores em atores da história.”
Neuza Rejane foi uma das pessoas que permaneceu no Alafiá até o final, participando desde as produções dos shows até a panfletagem no final dos eventos. Ela descreve o Alafiá de acordo com suas vivencias, seguida pelos outros entrevistados:
“O Alafiá era e deve ser do povo. Representa aprendizagem, descobertas e emoções. Uma festa que reunia diversas culturas, que enriquecia a cidade em vários contextos, não deve ser de domínio político, e sim, popular. Era o encontro do Afoxé com o Caboclinho, do Coco de Roda com o Blues. Encontro dos amigos, senhores, senhoras, crianças… do povo com a arte popular.
Gilson Ferreira:
“Independente de quem viveu a época, sabe hoje da existência do Alafiá e da importância dele para Goiana. Existia uma interação que envolvia pessoas de diversas idades, de crianças a idosos, das mais diferentes classes sociais, de dentro e de fora de Goiana. Então esse elo, essa dinâmica que o Alafiá proporcionou, ela permanece viva, porque como eu disse, cessou ação, mas permanece o efeito.”
Serginho da Burra:
“Para mim, a representatividade negra é peculiar, de fundamental importância e o Alafiá foi um grande vitrine cultural, dando espaço e fazendo intercâmbio entre Goiana, artistas e grupos culturais de outras localidades, tanto da própria Zona da Mata Norte como do Estado de Pernambuco em geral. Nós somos a primeira cidade de Pernambuco a abolir os escravos. Inclusive, o professor Borges de Fraga vem fazendo uma pesquisa riquíssima em relação aos negros escravizados que vieram para Goiana e foram parar nas lavouras e engenhos da região. Então, manter essa identidade presente e lembrar que através desse povo nós temos hoje as Pretinhas do Congo, uma Aruenda, a própria Igreja da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, o antigo Quilombo de Catucá, que era localizado na povoação de São Lourenço é de extrema importância… Foi impactante. Até hoje, em alguns momentos da vida social e cultural de Goiana, alguma pessoa sempre me pergunta: ‘E o Alafiá, vai voltar mais não?’ ‘O Alafiá acabou mesmo não foi Serginho?’ O Alafiá foi um projeto lindo que deixou um legado imenso e trouxe visibilidade a identidade negra e popular de Goiana.
Mônica Maria:
“O Alafiá representa respeito e oportunidade.”
Agradecimentos a:
Mônica Maria
Neuza Rejane
Serginho da Burra
Gilson Ferreira
Zinho Alafiá
*Até o fechamento desta matéria, alguns outros nomes importantes que contribuíram para a história do Alafiá não retornaram o nosso contato. Assim sendo, essa matéria segue em aberto, visando ser um documento ainda mais preciso sobre o Alafiá – Manifestação Cultural de Identidade Negra e Popular.
Alafiá cultura 💯 e Goyanense
Comentário por BASÍLIO AUGUSTO DE ARAÚJO em março 15, 2022 as 1:31 amTudo de bom
Saudades desses eventos espetaculares.
Mônica Maria
O Alafiá precisa voltar.