Como o artista goianense vem maturando sua música em busca da química perfeita entre a música comercial e o Pop de qualidade
Por Guilherme Souza
O fascínio pelos Beatles e a magia da fita K7
The Beatles. Mais de cinquenta anos depois, a banda inglesa continua sendo uma das maiores inspirações da cultura pop mundial, principalmente na música. A sua música é até hoje cultuada e serve de influência para os mais diversos artistas, tamanha é a riqueza das composições que ainda emocionam. Este é o poder da música. Ela atravessa continentes e arrebata corações e mentes, mesmo que o ouvinte não consiga entender a língua cantada.
Se hoje em dia podemos ter acesso a discografia dos Beatles com extrema facilidade graças a Internet, lá nos anos 90 era algo difícil e caro, porque as mídias físicas ainda estavam em alta e o Compact Disc (CD, para os íntimos) ainda era uma novidade. Por isso, a fita K7 ainda era um formato de armazenamento de música viável, onde se podia fazer sua própria coletânea através das gravações de vinis ou quando tocava a música que você gostava em alguma estação de rádio.
E foi justamente por meio de uma fita K7 que Diego Lucena sentiu a magia dos Beatles pela primeira vez. Um amigo de sua mãe havia gravado uma fita com músicas de todas as fases dos Beatles de um lado, e do outro, músicas de Elvis Presley e Elton John. Ele viu quando esse amigo deixou a fita na sua casa e sua mãe a guardou, saindo logo em seguida após receber a notícia de que outro amigo havia falecido. Sozinho em casa, Diego, curioso, colocou a fita para tocar e o impacto foi avassalador para um adolescente de 12 anos, e hoje ele diz que a sensação que teve foi como se o homem tivesse descoberto o fogo; a primeira música era “Help!”, seguido por outros clássicos, um após o outro. Ao fim, ele rebobinava a fita para ouvir novamente (processo demorado esse), todos os dias, totalmente fascinado com a descoberta.
Os Bitolados
Não tardou para que o instinto o fizesse pegar uma vassoura para brincar de tocar guitarra, pois esse é um efeito irresistível quando a empolgação bate forte. Sua avó então decidiu lhe comprar um violão, para que ele tornasse a brincadeira algo mais produtivo. Poucos meses depois, com algumas músicas aprendidas na bagagem, ele saiu com seu violão e foi parar na praça 13 de Maio (sempre ela), onde outros adolescentes também compartilhavam do gosto pelos Beatles, fortalecendo assim sua rede de relacionamentos musicais. A partir de então, surgiu a ideia de se montar uma banda cover dos Beatles, Os Bitolados, que fizeram seu primeiro show em 2005, no saudoso Mercado Imperial, localizado na Rua Direita, onde aconteciam eventos de Rock. O projeto teve várias formações, mas sempre com Diego a frente, durou cinco anos, sempre tocava nos eventos de Rock em Goiana e regiões vizinhas, e diz a lenda que surgiu até uma banda cover dos Bitolados em Caaporã, assim como a lenda de que “Blackbird” é uma versão dos Beatles para “Assum Preto”, de Luiz Gonzaga.
“Quando a gente começou, eu achava que não ia ter público pra curtir, sabe? Porque eu pensava que Beatles era uma banda que talvez o pessoal aqui não curta, essa galera jovem que vem a praça ou que participa desses movimentos, mas eu tava enganado. Muitas vezes os Bitolados era tipo a atração da noite e era arretado, porque no final todo mundo vinha conversar com a gente e isso era muito bom”, conta Diego sobre o início da banda.
Eles deram uma pausa e resolveram voltar agora, para comemorar os 15 anos de existência e já estão ensaiando e planejando um retorno pós pandemia, como ele explica:
“Pelo menos a gente canaliza esse estresse que muita gente tá sentindo. Estamos nos afiando ainda, num processo de entrosamento. Estamos fazendo umas novas roupagens, botando umas distorções e efeitos, mas claro, não tirando a essência da música, mas dando um feeling nosso.”
O fato é que, enquanto escrevo essa matéria até o momento em que você está lendo ela agora, algum(a) adolescente está descobrindo os Beatles e um mundo novo está se abrindo diante de suas percepções culturais, porque a banda é um fenômeno que continua conquistando gerações até hoje, independentemente de qualquer fator, talvez até mais do que antes, além de que, nessa quarentena muita gente está aproveitando para revisitar e curtir gostos antigos que estavam esquecidos, mas estão bem guardados como memórias afetivas.
\Seu primeiro disco “Sem medo de amar” e o reconhecimento de um estranho no ninho
Antes de chegar na sua forma final e estar pronto para ser lançado, um disco passa por diversos processos, desde a composição das letras e a lapidação do instrumental, até a estratégia de divulgação para melhor chegar ao público. “Sem medo de amar”, o primeiro disco solo de Diego Lucena foi lançado em 2014 e teve uma produção totalmente independente, inclusive o marketing para vender seu trabalho foi diretamente realizado pelo próprio Diego, que viajava para outras cidades com exemplares de seu disco e fazia sua auto propaganda. Sozinho, ele conseguiu vender quase 3.000 cópias
“Eu fiz uma logística para vender em comércios da região metropolitana do Recife, região da Mata Norte e nas praias. Eu tinha a estratégia que era chegar no comércio, vender os CDs e dizer que ia fazer uma entrevista na rádio e poderia anunciar a loja que comprou, então isso também fez com que eu tivesse acesso ao público e algumas rádios. Eu vendi muito CD em Maria Farinha, praia de Paulista e fui chamado para fazer entrevista nas rádios de lá, porque eu acho que a galera escutava mais minhas músicas do que aqui (Goiana).
“Sem medo de amar” conta com 10 faixas autorais (“Ainda há tempo”é uma parceria com o músico goianense Lucas Torres) que possuem um forte apelo Pop, resultado das influencias que Diego absorveu ao longo dos anos e foram moldando seu estilo musical. Os Beatles ainda mantiveram uma forte influência, porém, foi misturada com o gosto de Diego pela música francesa e o doce romantismo da música brasileira, criando canções de um certo potencial radiofônico por causa de suas melodias facilmente digestíveis. Teve o guitarrista, produtor e arranjador Bené Brendão, como principal parceiro na construção das composições, ajudando a tornar o disco ainda mais comercial, o que era a intenção de Diego.
Apesar de ser um disco regular, com músicas já queridas pelo seu público e sempre tocadas no programa de rádio do MATA Goiana, como “Volta pra mim”, “Tristeza que nada” (ambas com videoclipes) “Te beijaria” e “Perdido de você”, uma das canções destoa do resto do disco, que foi uma tentativa de Diego fazer sucesso espelhado no que estava em evidência no mercado musical da época: “Te encontrar na balada”. Ele explica que naquele tempo não estava interessado em ideologia, mas sim de apostar numa música que tivesse mais chances de estourar, e caso isso acontecesse, seu plano era se estabilizar financeiramente para realmente fazer o tipo de música que lhe representa.
“Hoje eu penso diferente. Prefiro ter meia dúzia de pessoas que vão curtir meu som sempre, mas que tenha essa linha mais consistente e menos plástico, menos descartável. Essa música foi uma questão meramente comercial, pra ganhar uma grana. Foi uma forma de pensar numa época e eu não faria isso hoje. Hoje eu prefiro tentar fazer uma coisa para um público de massa, mas uma coisa que eu acredito, que é o linear que Tim Maia faz, que define o som dele, é uma música de massa, mas de qualidade. Pop não significa que é ruim ou pobre, Pop é popular. Não é uma música que eu desprezo, mas que fez parte de um trabalho, de um pensamento numa época e não sou reconhecido por ela, tenho coisas muito mais relevantes.”
O fato é que a música brasileira de massa passa por um período de estagnação, onde estilos como o sertanejo universitário, o pagode e o funk já estão se repetindo, não trazendo nada de novo e causando a impressão de que sempre estamos ouvindo a mesma coisa, e por isso os reais talentos acabam ficando soterrados por esse boom de artistas cada vez mais descartáveis e iguais uns aos outros. Entretanto, é nos cenários alternativos espalhados pelo país que tem surgido artistas preocupados em fazer uma música mais orgânica e substancial, que pode ser simples, mas verdadeira, que realmente conversa com seu público através de vivencias reais, como o brega, o rap e demais vertentes que conversam com o Pop, e é importante frisar que esse fenômeno não é recente, muito pelo contrário, como Diego analisa:
“O baião, que é uma coisa totalmente nordestina, que reflete sentimentos de angustia, medo e dúvidas de um nordestino, tipo um cara feito Luiz Gonzaga sair daqui e ir para o Rio de Janeiro e fazer um povo totalmente diferente se comover, dançar, sorrir e chorar é uma coisa genial. Durante os anos 80 existia um grande segmentador de mercado que eram as grandes gravadoras, então se você chegava nelas com uma música ruim, não rolava. As dificuldades criavam perspectivas de coisas novas e por isso se tinha criatividade nas melodias e nas letras. Com a advento da Internet, os aplicativos de produção e gravação musical, você começa a gravar suas coisas em casa e tem a possibilidade de jogar suas músicas para um público de massa, então por isso, você tem um excesso de música que muitas vezes não tem qualidade.”
Ele ainda associa uma crítica do Rolando Boldrin, conhecido artista, cantor e compositor do sertanejo das antigas, sobre o modismo do sertanejo universitário: “Essa música não tem representatividade nenhuma, inelástica, porque ela deixa de existir em pouco tempo, é reciclável e uma coisa quando é boa ela transpõe o tempo e espaço, ela continua sendo contemporânea. O empobrecimento da música é uma tendência mundial.”
Percepções musicais/culturais sobre o futuro em tempos de Coronavírus
O Coronavírus atrasou muitos planos, sonhos e frustrou as mais variadas expectativas ao redor do mundo. Nos fez ficar isolados, e consequentemente, mais reflexivos e temerosos, o que pode ser algo produtivo ou não, dependendo de como você está encarando a quarentena. O segundo disco solo de Diego que ainda não foi lançado, já estava sendo produzido desde antes da pandemia e ele já queria tomar um rumo mais introspectivo, que foi acentuado pelo momento que passamos.
Intitulado “Além de um olhar”, seu próximo disco terá o instrumental mais experimental e letras de cunho existencialista, e vem seis anos depois do primeiro, mostrando a maturidade adquirida desde então através das suas vivencias e bastante leitura. Nas novas composições, ele afirma que tem buscado o equilíbrio entre uma linguagem simples, mas com uma profundidade de cunho filosófico, que possa dar margem a interpretações do ouvinte. Quanto a divulgação e lançamentos, ele afirma que pretende soltar algumas músicas ainda este ano através das mídias sociais, e que não acha mais viável a comercialização do formato físico, uma vez que os CDs estão cada vez mais sumindo da indústria musical conforme as plataformas digitais evoluem.
“A música é um dos mercados mais complexos que existem. Pra um artista solo, o cara tem que ter trabalho, talento e oportunidade, mas não adianta você ser talentoso e não correr atrás, ou trabalhar pra caramba e não ser talentoso. Tem que estar no lugar certo na hora certa também. Elias Batista é um grande músico, mas não se tem o devido valor. Realmente tem que sair de Goiana pra se ter um certo reconhecimento. Hoje em dia, com a disponibilidade dessas plataformas digitais, você pode estourar, mas ainda assim é complicado.
A gente tem o exemplo de Accioly Neto, goianense, que fora daqui teve uma certa ascensão, mas pouca gente de Goiana conhece o trabalho dele. Goiana tem uma praga em relação a isso. Então você tem que aproveitar os cavalos selados e o cavalos sem sela que passam pela sua frente, pular em cima e ir pra onde ele te levar”, reflete Diego sobre a grande problemática sempre reclamada pelos músicos goianenses, de precisarem sair da própria cidade para serem considerados e respeitados como artistas.
Uma das percepções que o Coronavírus trouxe foi sobre a importância da arte e suas diversas formas de entretenimento. Se na rotina antes da pandemia, as pessoas consumiam arte de forma praticamente automática, hoje é compreensível a importância de lhe dar o devido valor, porque é através dela que podemos construir nossa identidade enquanto indivíduos culturais e políticos, pois dentro de uma lógica de mercado, nós somos aquilo que consumimos, como Diego explica seu ponto de vista:
“A pandemia fez com que as pessoas pensassem sobre sua própria existência e começassem a refletir sobre coisas que são tão simples, tipo ‘a gente vive sem shopping, sem McDonald´s, mas a gente não vive sem arte’. Começamos a valorizar coisas que antes a gente não valorizava e a passar mais tempo com as pessoas que a gente ama. Todo mundo reclama que tá privado de sair, mas você deveria pensar que tá tendo a chance de conviver mais com pessoas que você ama, então, se você tá recluso, ruim mesmo é pra quem tá numa cama de hospital, entubado e não tá recebendo ninguém.
A pandemia mudou muita coisa em termos de comportamento, e essas coisas vão continuar, o mundo não vai ser como era antes, e infelizmente ou felizmente, a tecnologia vai ficar bem mais presente na nossa vida.“
“Eu não sou alternativo”
Existe uma linha muito tênue e torta que liga a música do artista à sua ideologia, porque não necessariamente todo artista que se encaixa no meio alternativo é parecido com o outro, mas ambos possuem atitudes independentes em relação as regras do mercado, tomando como filosofia a iniciativa do “faça você mesmo”, quebrando assim o monopólio das grandes gravadoras, e isso ao menos é um consenso. Basicamente, como o próprio termo sugere, embora não exista um conceito fechado, pode-se dizer que o meio alternativo é aquele onde os artistas não estão preocupados em atingir grandes níveis de popularidade e preferem se manter mais conectados com a própria música e a um fiel grupo de admiradores que realmente se identifica com sua proposta artística, sem deixa-las a mercê dos interesses mercadológicos.
Mas, ser alternativo, não significa estar a margem de uma maneira negativa, pois é da periferia que tem surgido artistas que vem ganhando destaque em Goiana, como RT Mc. É possível, por exemplo, que um músico do cenário alternativo faça um trabalho claramente Pop e opte por um caminho independente, por se tratar de uma posição ideológica sobre ter o controle total sobre sua produção. Claro, cada um possui seu ponto de vista e Diego exemplifica o dele:
“Meu som não é alternativo. Eu busco fazer um som mais comercial, no sentido de que ele venda, que as pessoas escutem, que tenha uma simplicidade, mas também que, ao ser analisado, possa ser mais complexo do que se imagina. A gente tem que projetar nossa visão para algo além. Por mais que você tenha uma influência muito grande de alguma coisa, você não pode se prender a persona do artista que te influenciou, tipo no modo de compor, de cantar, de vestir… a música tá sempre se refazendo e o interessante é que você conduza isso de uma forma que não vire um subproduto, porque quando ela vai se segmentando ela vai se tornando mais pobre.
Contudo, é raro um artista querer se limitar colocando um rótulo sobre si, correndo o risco de ficar preso nele, ou se tornar refém de um reacionarismo por parte dos que consomem sua música e não aceitam mudanças. A própria indústria musical quando não descobre novos sucessos, acaba os criando, ditando assim o que é vendável ou não, e por consequência acaba gerando um nicho alternativo, que é aquele que não aceita o lhe é forçado a consumir. Sendo assim, é possível fazer um música Pop onde exista espaço para se refletir as amarguras e felicidades do próprio ser, e esse é o caminho que Diego vem trilhando com sua visão romântica onde o amor ainda é combustível para a sua música.
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